quinta-feira, 30 de julho de 2015

"A um cavalheiro que chorou com a esposa uma pequena perda" de Estevan Villegas

Passaram pelas nossas vidas cautelosos,
como quem anda sobre almofadas de algodão,
capazes de andar sobre vidro sem o partir,
de roçar um copo sem derramar uma só gota.
Sabem escolher, no verão, a sobra mais fresca
e, no inverno, o calor dos nossos corpos adormecidos.
Caminhavam pela casa semeando uma esteira
de inapreensíveis fios de ouro ou madrepérola.
Quantas vezes nos roubaram o lugar,
que era também o seu preferido,
e nós, reis destronados e enormes,
fomos acomodar-nos - por assim dizer -
no mais incómodo assento da casa.
Quantas vezes sossegaram a nossa angústia
com esse rumor que lhes vibra na garganta.
Demos-lhes tudo o que quiseram,
e eles aceitaram
com a majestade de quem nada pediu.
E, por vezes, assaltava-nos a estranheza
de termos aberto a casa a uma fera terrível,
uma fera munida de garras e de dentes que,
com uma língua de lixa, alisa a sua seda ao sol.
Por fim morreram:
apenas um suspiro,
e deles restou um farrapo de pele macia, quase nada,
sigilosos e dignos
na morte como na vida.
Assim foram os nossos gatos,
e mesmo agora,
muitos meses depois,
de vez em quando
encontramos
um pequeno pelo de seda nas nossas roupas.

Estevan Villegas
Vida cotidiana, 1995

segunda-feira, 20 de julho de 2015

então queres ser um escritor?


 
se não sai de ti a explodir

apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração, da tua cabeça, da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.

se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.

não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-
— devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.

quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

não há outra alternativa.

e nunca houve.

Charles Bukowski (1920-1994)
(Tradução: Manuel A. Domingos)

terça-feira, 7 de julho de 2015

MARIA BARROSO 1925-2015

Memórias da passagem poética por S. João da Madeira...






sexta-feira, 3 de julho de 2015