AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
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1931
In Poesia 1931-1935 e não datada , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2006 |
[NOTA BIOGRÁFICA] DE
30 DE MARÇO DE 1935
“Nome completo: Fernando António Nogueira Pessoa.
“Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.º 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório) em 13 de Junho de 1888.
“Nome completo: Fernando António Nogueira Pessoa.
“Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.º 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório) em 13 de Junho de 1888.
“Filiação:
Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro
Nogueira. Neto paterno do general Joaquim António de Araújo Pessoa, combatente
das campanhas liberais, e de D. Dionísia Seabra; neto materno do conselheiro
Luís António Nogueira, jurisconsulto e que foi Director-Geral do Ministério do
Reino, e de D. Madalena Xavier Pinheiro. Ascendência geral: misto de fidalgos e
judeus.
“Estado:
Solteiro.
“Profissão:
A designação mais própria será «tradutor», a mais exacta a de «correspondente
estrangeiro em casas comerciais». O ser poeta e escritor não constitui
profissão, mas vocação.
“Morada:
Rua Coelho da Rocha, 16, 1º. Dt.º, Lisboa. (Endereço postal - Caixa Postal 147,
Lisboa).
“Funções sociais
que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos, ou
funções de destaque, nenhumas.
“Obras que tem
publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por
várias revistas e publicações ocasionais. O que, de livros ou folhetos,
considera como válido, é o seguinte: «35 Sonnets» (em inglês), 1918; «English
Poems I-II» e «English Poems III» (em inglês também), 1922, e o livro
«Mensagem», 1934, premiado pelo Secretariado de Propaganda Nacional, na
categoria «Poema». O folheto «O Interregno», publicado em 1928, e constituído por
uma defesa da Ditadura Militar em Portugal, deve ser considerado como não
existente. Há que rever tudo isso e talvez que repudiar muito.
“Educação:
Em virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em
segundas núpcias, com o Comandante João Miguel Rosa, Cônsul de Portugal em
Durban, Natal, foi ali educado. Ganhou o prémio Rainha Vitória de estilo inglês
na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15
anos.
“Ideologia
Política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para
uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a
Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre
regimes, votaria, embora com pena, pela República. Conservador do estilo
inglês, isto é, liberdade dentro do conservantismo, e absolutamente
anti-reaccionário.
“Posição
religiosa: Cristão gnóstico e portanto inteiramente oposto a todas as
Igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais
adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas
relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência
oculta da Maçonaria.
“Posição
iniciática: Iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo,
nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.
“Posição
patriótica: Partidário de um nacionalismo místico, de onde seja
abolida toda a infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um
sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo
português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este
lema: «Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação».
“Posição social:
Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.
“Resumo de estas
últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de
Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os
seus três assassinos – a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania”.
Lisboa, 30 de Março de
1935
Fernando Pessoa
In Escritos
Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal, ed. Richard Zenith,
Assírio & Alvim, 2003, pp. 203 - 206.